Soroban - Curiosidades sobre o Soroban

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[editar] Curiosidades sobre o Soroban

  • Desde 1854, após o tratado de amizade e comércio firmado com os Estados Unidos e mais tarde com vários países da Europa, o Japão voltou-se com empenho para as relações exteriores. O impacto desses acontecimentos aumentou a pressão das correntes sociais e políticas que estavam minando a base estrutural feudal fazendo desmoronar, em 1868, o então vigente xogunato Tokugawa, sendo restabelecida a plena soberania do imperador na Restauração Meiji. A era Meiji (1868-1912) representa um dos períodos mais notáveis da história das nações. Sob o reinado do imperador Meiji (Mutsuhito), o Japão realizou em apenas algumas décadas o que levou séculos para se desenvolver no Ocidente - a criação de uma nação moderna com indústrias modernas, instituições políticas modernas e um novo e moderno modelo de sociedade.

Nas várias reformas educacionais ocorridas no Japão, desde então, ora o soroban era considerado como matéria obrigatória dentro da grade curricular, sobretudo no ensino primário da época, ora era considerado como matéria optativa. E considerando também a sujeição de sua cultura às culturas estrangeiras, ao mesmo tempo em que o soroban ia sendo relegado, o cálculo por meio de lápis e papel ganhava mais evidência. Após a Segunda Guerra Mundial, sob o impacto da influência norte-americana, as calculadoras eletrônicas ganharam larga ênfase, insistindo-se nas suas vantagens, enquanto o ábaco recebia críticas negativas. Desde 1931, o Japão já vinha promovendo campeonatos que visavam mostrar a importância do soroban para o desenvolvimento mental. Porém, o campeonato decisivo, considerado de vida ou morte para o reconhecimento do soroban, foi realizado no dia 12 de novembro de 1946. Esse confronto, patrocinado pelo Stars and Stripes, jornal do Exército dos E.U.A., aconteceu no teatro Ernie Pyle de Tokyo (atualmente Teatro Takarazuka de Tóquio – Tōkyō Takarazuka Gekijō). A máquina de calcular teve como operador o recruta norte-americano Thomas Nathan Wood, da 240ª Seção de Reembolso Financeiro do quartel-general do General MacArthur, eleito em concurso como o mais ágil operador de calculadora elétrica no Japão, e o soroban o senhor Kiyoshi Matsuzaki, operador campeão do Gabinete de Poupança do Ministério da Administração Postal. Nesse campeonato, o soroban saiu vitorioso (4 x 1) e os americanos, estarrecidos, reformularam seu conceito sobre este instrumento, embora sem grande divulgação. No entanto sabe-se que nos Estados Unidos tem boa aceitação o uso do ábaco Cranmer por pessoas cegas ou com visão subnormal, semelhante ao nosso sorobã adaptado. (portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/)

  • No Brasil também, em vários momentos a validade do Shuzan foi questionada, fazendo-se necessária uma contraprova. Mas a demonstração mais relevante, talvez, tenha acontecido em 1968, quando a Associação Cultural de Shuzan conclamou o público para um desafio: Soroban x Qualquer tipo de calculadora. Apresentaram-se hábeis operadores, com as máquinas mais modernas existentes na época e, como esperado, os sorobanistas fizeram uma ótima apresentação, e tem sido assim até os dias de hoje, provando que o soroban jamais será ultrapassado e será obsoleto, pois não depende de pilha, de bateria, de chips, mas somente o uso da mente e sua capacidade total de uso ainda está longe de ser desvendada.

O soroban e as máquinas calculadoras não são coisas que devam ser comparadas. Cada qual exerce a sua função junto ao homem na sociedade moderna, cada qual no seu devido lugar exercendo a sua função específica. O Soroban oferece envolvimento pedagógico ao educando e ajuda a solucionar pequenos cálculos na vida cotidiana, quando a operação for grandiosa, estimando o seu resultado; mas prioritariamente ativando a sua mente. Já, as máquinas são necessárias para os adultos, para cálculos mais complexos e ou para o cérebro “descansar” devendo gastar a energia mental para outras atividades que lhe sejam mais prementes, assim como os computadores são necessários para a solução de problemas mais vultosos. O reconhecimento do soroban na política educacional japonesa e, ainda, sua utilidade num contexto mundial mais amplo, foi fruto de uma luta incansável de seus disseminadores, a exemplo do professor Fukutaro Kato, que jamais se fez esmorecer.

  • Takashi Kojima (The Japanese Abacus, Tokyo, Tuttle, 1954) menciona a existência de um dedilhado em que se empregava somente o indicador, e Yukio Tani (The Magic Calculator: The Way of Abacus, Tokyo, Japan Publications Trading Co., 1964) acrescenta que esse método era recomendado para principiantes em livros do fim do século XIX. Segundo Tani, as razões alegadas para não usar o polegar eram que este dedo seria menos sensível que o indicador, e que fazer trabalhar o "pai" (oya yubi, dedo “pai” = polegar ) era de um simbolismo desagradável, conforme uma superstição japonesa.
  • O mais antigo soroban ainda hoje existente data de 1592. Teria pertencido a um soldado, identificado por alguns como o general Toshiie Maeda (前田利家, Maeda Toshiie) (15.1.1539 - 27.4.1599), posteriormente senhor feudal (daimyō) de Kaga (1583 - 1599), a serviço do senhor feudal e segundo unificador do Japão Hideyoshi Toyotomi (2.2.1536 - 18.9.1598), no porto de Hakata, local que este escolhera para uma invasão à Coreia. Trata-se de um instrumento de bolso (7 x 13 cm) com a traseira fechada por placa, de 9 hastes de cobre, cada uma trazendo 7 contas de osso com aresta (bicônicas), 2 quinárias e 5 unitárias.
  • A mais antiga menção ao soroban em língua ocidental (latim) parece ser a que consta no Calepino japonês, o Dictionarivm Latino Lvsitanicvm, ac Iaponicvm (Dicionário Latino-Português e Japonês; Ra-Po(ou -Ho)-Nichi Taiyaku Jiten, 羅葡日対訳辞典), preparado na imprensa da missão jesuítica (in Collegio Iaponico Societatis IESU) em Amacusa (Amakusa, 天草), Japão, 1595. O nome completo da obra (em grafia normalizada) é Dictionarium Latino-Lusitanicum ac Iaponicum ex Ambrosii Calepini volumine depromptum, in quo, omissis nominibus propriis tam locorum quam hominum ac quibusdam aliis minus usitatis, omnes vocabulorum significationes elegantioresque dicendi modi apponuntur; in usum et gratiam Iaponicae iuventutis quae Latino idiomati operam navat nec non Europeorum qui Iaponicum sermonem addiscunt (Dicionário Latino-Português e Japonês, compilado do volume de Ambrogio Calepino, em que, omitidos os nomes próprios, tanto de lugares como de pessoas, bem como outros menos usados, apõem-se todos os significados e os torneios mais elegantes dos vocábulos, para uso e benefício da juventude japonesa que se esforça no idioma latino, e bem assim dos europeus que aprendem a língua japonesa). Pelo menos dois verbetes o mencionam:

“Abáculus, i, dimin. Idem. Item, Tentos pera fazer conta. Iap. San, soroban”.

“Cálculus, i. Lus. (...) Contos, ou tentos de contar. Iap. Soroban, Sangui” <isto é, sangi, na transliteração Hepburn>.

Por sua vez, a mais antiga descrição do soroban (e do suan pan), em português, parece ser a que consta no Vocabulário da Língua de Japão com a Declaração em Português, Feito por alguns Padres e Irmãos da Companhia de Jesu (Nagasaki, 1603): “Soroban, Taboinha Com Contas ẽfiadas em arame por onde Contão os Chinas & Iapões”, em linguagem atual, “tabuinha com contas enfiadas em arames por meio da qual os chineses e os japoneses calculam”.

  • Segundo D. S. Smith e Y. Mikami (A History of Japanese Mathematics, Chicago, The Open Court Publishing, 1914, p.32), a história de que Mōri trouxe o soroban da China - ou da Coreia, como pretende Alfred Westphal (Beitrag zur Geschichte der Mathematik in Japan, in Mittheilungen der deutschen Gesellschaft für Natur- und Völkerkunde Ost-asiens, Tōkyō, IX. Heft, 1876) - aparece pela primeira vez no livro Sanpō Tamatebako (1879) de Riken Fukuda, que recebeu essa informação de seu amigo C. Kawakita, o qual por sua vez a obteve de Gokan Uchida, que alega ter lido esse relato em certa ocasião num antigo manuscrito na Biblioteca de Yushima em Edo (Tōkyō); infelizmente, com a dissolução do xogunato (1868) os livros dessa biblioteca dispersaram-se e o manuscrito parece ter-se irremediavelmente perdido. Conta essa história que Mōri, na mocidade a serviço do Senhor Terumasa Ikeda e posteriormente de Hideyoshi Toyotomi, foi por este mandado à China para que lá adquirisse o conhecimento matemático de que o Japão naquele tempo carecia. Contudo, por ser de origem humilde, Mōri viu os seus pedidos em nome de seu amo tratados com tal desdém que retornou ao Japão com escassos resultados. Ao ouvir o relato dos trabalhos e humilhações de Mōri, Toyotomi concedeu-lhe o título de Senhor de Dewa. Mōri de novo rumou para a China, mas apenas pôs os pés em solo chinês quando Toyotomi encetou a sua invasão da Coreia. A China envolveu-se de imediato na defesa do que era praticamente um estado vassalo seu, e, com o progresso da guerra, tornava-se cada vez mais perigoso para um japonês residir em seu território. Mōri não foi recebido com o favor que esperara e teve de retornar ao seu país natal. Permanecendo embora algum tempo no exterior, não conseguiu porém levar a cabo sua missão. Ainda assim, Mōri trouxe considerável conhecimento da matemática chinesa e também o suàn pán, que foi aperfeiçoado até tornar-se o atual soroban. Se verdadeira a história, Mōri deve ter passado alguns anos na China, pois Toyotomi começou a sua invasão em 1592 e morreu em 1598, estando já falecido quando Mōri regressou. Este dirigiu-se ao Castelo de Osaka, construído por Toyotomi, e lá, acolhido pelo filho e sucessor do guerreiro, viveu até que a cidade fosse sitiada em 1615 e o castelo tomado por Ieyasu Tokugawa. Hikoshirō Araki informa que após isso Mōri ensinou soroban em Kyōto, onde se intitulava “o primeiro instrutor de divisão no mundo”. Como autores coetâneos de Mōri, ou posteriores a ele, não mencionam a sua viagem à China e como Uchida não revelou sua descoberta senão após o desaparecimento do manuscrito (que ninguém tem condições de avaliar quanto a idade, tipo e confiabilidade), autores recentes, como Hidetoshi Fukagawa e Tony Rothman (Sacred Mathematics, Princeton, Princeton University Press, 2008, p.15), têm essa história por fictícia. Porém, tenha ou não viajado à China, Mōri, que possuía o célebre Tratado Sistemático de Aritmética (Suànfă tŏngzóng, 1593) de Chéng Dàwèi, foi um perito no soroban e em seu tempo fez mais do que qualquer outra pessoa no Japão para popularizar os cálculos nele, tendo escrito a cartilha Warizansho (割算書, Divisão [por meio do Soroban], 1622).
  • Segundo Charles J. Dunn, os robustos soroban do Período Edo serviam aos comerciantes não só para fazer contas como também para pespegar na cabeça relapsa de um aprendiz certeira advertência por erros cometidos, ou ainda atalhar um golpe de katana de algum ronin gatuno pilhado em flagrante. (Everyday Life in Traditional Japan, Tokyo-Rutland-Singapore, Tuttle Publishing, p. 93)
  • O antigo método de divisão era idêntico ao chinês e usava uma tabuada especial de divisão, conhecida no Japão sob os nomes de ku ki hō (九歸法), hassan (八算), warigoe (わり声) e warikuku (わり九九), e empregada maciçamente até as décadas de 1930/1940.
  • O soroban 1+5 (itsutsudama soroban) ainda é fabricado no Japão e vendido sobretudo a pessoas idosas que aprenderam soroban antes da Segunda Guerra Mundial, segundo informações recentes (2007) de um conhecido fabricante japonês (Tomoe).
  • O soroban 1+5 pode ter surgido em data relativamente antiga e o formato arredondado das contas persistiu até época bem tardia lado a lado com o formato bicônico. A Universidade de Ciências de Tóquio conserva um exemplar 1+5 que se diz datar do início do Período Edo (1603-1868), proveniente de Ōtsu, Banshū, com tampa traseira deslizante, 10 hastes e contas redondas como as de um suan pan tradicional, acabamento de laca preta (kuro-urushi) com maki-e (pó de ouro polvilhado). Outro exemplar 1+5, oriundo de Hiroshima, também com contas redondas, tem 25 hastes e é datado do fim do Período Edo. Outro exemplar 1+5, de 25 hastes e contas bicônicas, é datado de 1791.
  • O dia 8 de agosto é chamado no Japão “pachi pachi no hi” e, sempre que possível, é a data escolhida para torneios de soroban. Esse nome provém do ruído que produzem as contas de um soroban em operação, bem como alude ao número “oito” em japonês (hachi).
  • Antes do surgimento do soroban e até o começo da Era Meiji (1868-1912), empregavam-se blocos de cálculo (“sangi”, 算木 ou “sanchu”, 算籌), um conjunto de prismas quadrados de bambu ou madeira de 5 cm de comprimento por 7 mm de espessura, parte dos quais era vermelha (para representar números positivos) e parte era preta (para números negativos). Originários de varetas roliças de bambu, os sangi eram o instrumento preferido dos matemáticos, que os usavam sobre tabuleiros quadriculados para resolver problemas algébricos (por exemplo, equações quadráticas, cúbicas ou mesmo simultâneas). Por sua vez, as varetas de bambu (“chikusaku” ou “zeichiku”) foram trazidas ao Japão entre o século VII e o VIII, vindas da China, onde, sob o nome de “chóu”, “t’sê” ou “chanchu”, e confeccionadas com bambu, marfim, osso ou metais, seriam conhecidas desde o século V a.C. (segundo Lĭ Yăn e Dù Shírán, Chinese Mathematics - a Concise History, Oxford, Clarendon Press, 1987, p.7) ou desde antes de 1000 a.C. (segundo Takashi Kojima, Advanced Abacus, Tokyo, Tuttle, 1963, p.15). Um conjunto era formado por um feixe de 271 varetas de 6 polegadas (chinesas) de comprimento por 0,1 polegada de espessura. Os exemplares mais antigos foram escavados em sítios datados da dinastia Han (206 a.C. – 220 d.C.). Na China, com a difusão dos métodos de operação no suan pan, divulgados no Tratado Sistemático de Aritmética (Suànfă tŏngzóng) de Chéng Dàwèi, o uso das varetas, e até mesmo o conhecimento da sua existência, desapareceu após o fim do século XVI, sendo consideradas instrumento de cálculo antigo por Méi Wéndǐng (1633-1721). No Japão, os sangi, substituídos pelo soroban no uso quotidiano ao longo do século XVII, foram caindo em desuso nos meios matemáticos ao se descobrirem os métodos de extração de raiz quadrada e cúbica no soroban; o golpe de misericórdia adveio com a introdução da matemática ocidental (yōsan) concomitantemente com a proibição do ensino da matemática tradicional japonesa (wasan) no Código Fundamental de Educação (Gakurei) de 1872.
  • Historicamente o soroban é o último vestígio da matemática tradicional japonesa, o wasan (和算, literalmente, cálculo à japonesa). No Japão do Período Edo, na ausência de um sistema público de educação, as pessoas do povo enviavam os filhos aos terakoya (寺子屋, escolas particulares para o povo comum mantidas por templos budistas) para que aprendessem yomi-kaki-soroban (“leitura, escrita, aritmética com soroban”). Em paralelo, o wasan ensinava-se em academias particulares em nível mais elevado que o dos terakoya. Se na era Meiji a passagem da matemática tradicional japonesa à matemática ocidental se deu com relativa facilidade, isto se deve a que tanto os matemáticos tradicionais como os professores dos terakoya dispunham de preparo cultural para apreender o conteúdo dessa última.
  • Ainda que o ábaco seja tido como o elo inicial de uma cadeia de instrumentos que, conduzindo ao atual computador, inclui por exemplo o aparelho de Schickard e a máquina de calcular de Pascal (la Pascaline) de 1642, esta última nada tem que ver com o soroban, sendo talvez mais parecida com um computômetro de Cordingley de 1890 ou com a “lightning calculator” (calculadora relâmpago) de 1908; aliás, o único ábaco que Pascal e seu pai conheceriam (mas provavelmente não usavam) era o ábaco de contas soltas (“jetons” ou contos de contar), em declínio nessa época.
  • “Soroban-mancia” (ou abacomancia): A. Westphal, observando que não faltavam meios aos japoneses para tentar prever o futuro, tais como a consulta a carapaças de tartaruga, varetas de bambu, ossos de espádua (escápulas) de cervos etc., refere um método de adivinhação de meados do século XIX que empregava o soroban e conta a seguinte história, que ouviu de um mestre da arte:

Um camponês que teve o cavalo roubado foi a um adivinho para saber onde estaria o seu animal. Valendo-se do soroban, informou-lhe o adivinho que o cavalo se encontrava debaixo de esteiras. O camponês, pensando nas esteiras que recobriam o assoalho das casas japonesas, achou o oráculo inacreditável. O próprio adivinho, algo hesitante, tornou a consultar o soroban, mas recebeu a mesma resposta. O camponês foi-se incrédulo. Mal saiu da casa quando se lhe deparou o cavalo a transportar uma carga de esteiras. Ele reclamou sua propriedade ao condutor do animal, abalou-se felicíssimo ao adivinho e recompensou-o generosamente. (Ueber das Wahrsagen auf der Rechenmaschine, in Mittheilungen der deutschen Gesellschaft für Natur- und Völkerkunde Ostasiens, viii, 1876, p.49)

O Dr J.-J. Matignon, por sua vez, descreve no seu livro La Chine Hermétique (Paris, Paul Geuthner, 1936) um método para adivinhar o sexo de uma criança nascitura por meio de um ábaco chinês. O que hoje pode parecer superstição constituía um dos atributos de um matemático em séculos passados. Na China antiga, segundo o Prof. Nathan Sivin, a matemática incluía também o que hoje chamaríamos numerologia, do mesmo modo que astronomia e astrologia estiveram abraçadas longo tempo no Ocidente, conforme se pode apurar em seu artigo “Science and Medicine in Chinese History” (Ciência e Medicina na História Chinesa): “Havia um lado teórico e especulativo na matemática chinesa que em geral tem sido ignorado por historiadores modernos, com algum prejuízo para nossa compreensão do que significava esta arte para seus praticantes. Os sentidos de ambas as palavras empregadas para designar “matemática” antes dos tempos modernos, shu e suan, incluem “numerologia”. Referem-se igualmente a uma variedade de técnicas divinatórias que identificam regularidades – não necessariamente quantitativas – subjacentes ao fluxo dos fenômenos naturais. O prognóstico do futuro e a adivinhação do oculto, especialmente nos primeiros séculos da matemática, eram amiúde considerados parte dos poderes de mestres calculadores. Há um paralelo óbvio com a complementaridade da astronomia matemática e da astrologia, que vemos não só na China, na Índia e no mundo islâmico, como também no Ocidente até os tempos de Kepler. A forma da relação variou decerto segundo o caráter intelectual e social das duas atividades em cada cultura.” (apud Heritage of China, ed. Paul S. Ropp, Berkeley – Los Angeles – Oxford, University of California Press, 1990, p.173; cap.7, pp. 164-196)

  • Jinkōki - o manual que foi best-seller por mais de duzentos anos: em 1627 foi publicado o Jinkōki (塵劫記, Anotações sobre Números Gigantescos e Números Infinitesimais), de Mitsuyoshi Yoshida (吉田 光由, Yoshida Mitsuyoshi; 1598 - 1672), também conhecido como Yoshida Kōyō, discípulo de Shigeyoshi Mōri, livro que se tornou o manual de matemática mais popular do período Edo. No prefácio, o sacerdote budista Genko (também conhecido como Shungaku) explica que o título Jinkōki provém de uma frase num texto budista e significa “aquelas coisas que passaram há muito tempo não diferem do que são agora”. Sem ser uma abordagem sistemática da aritmética chinesa do seu tempo, continha inúmeros problemas práticos apresentados sob roupagem de historinhas ilustradas que de imediato cativaram o povo. A popularidade do Jinkōki originou muitas edições piratas, contra as quais o autor tentou proteger-se mediante uma série de edições revisadas (conhecem-se as de 1629, 1631, 1634, 1641) com impressão a duas cores, ilustrações coloridas e, na última, com um apêndice de problemas sem a chave de soluções para desafiar leitores e imitadores (trata-se dos idai, i.e., problemas por resolver, que desde então se tornaram moda em manuais de aritmética similares). Refletindo a realidade de um país recém-saído de um período de guerras civis longo e devastador para as ciências, artes e ofícios, o livro se abre com nomes de números, instruções sobre como dividir com o soroban, seguido de problemas de cálculo de pesos, volumes e valores de arroz, e equivalências de moedas regionais, conhecimentos de necessidade premente à época. O Jinkōki resolve os problemas com o soroban, porém não detalha como manejar um, já que pressupõe o ensino oral em paralelo de um professor (ou o conhecimento prévio da adição, subtração e multiplicação no ábaco japonês). Exemplo de número enorme que aparece no livro: 664.613.997.892.457.936.451.903.530.140.172.288. O número de livros que trazem o nome “Jinkōki” como título ou parte dele, publicados entre 1627 e 1913, sendo ou não o autor Yoshida, monta a 301.
  • Ao tempo da segunda abertura do Japão ao Ocidente, um dos raros estrangeiros que olharam o soroban com admiração foi o escocês Cargill Gilston Knott (Penicuik, 30-6-1856 – Edinburgh, 26-10-1922), Doutor em Ciência e membro da Real Sociedade de Edinburgh (a academia de ciências e letras da Escócia). Em comunicação lida em 16 de dezembro de 1885 na Sociedade Asiática do Japão (The Asiatic Society of Japan), publicada ao depois nas Transactions da entidade sob o título de “The Abacus in its Historic and Scientific Aspects” (vol. 14, pp. 18-69, Yokohama, R. Meiklejohn Co., 1886), não poupa elogios ao soroban, cujos métodos de operação acha particularmente científicos. Knott descreve os sistemas numéricos de vários povos, o soroban e o modo de nele efetuar as quatro operações mais a extração de raiz quadrada e raiz cúbica.
  • Sobre a origem do suan pan (soroban chinês), Yoemon Yamazaki ("The Origin of the Chinese Abacus", in Memoirs of the Research Department of the Toyo Bunko, Tokyo, 1959, vol. 18, pp. 91-140) explica haver várias teorias, cada uma com seus defensores: 1. origem autóctone na dinastia Han (206 a.C. – 220 d.C.); 2. origem autóctone na dinastia Song (960 – 1270); 3. origem autóctone na dinastia Yuan (1271 – 1368); 4. origem autóctone na dinastia Ming (1368 – 1644); 5. origem estrangeira, especificamente a introdução do ábaco romano portátil na China via Rota da Seda na dinastia Han.
  • Entre 1978 e 1984, a Sharp fabricou vários modelos de um híbrido de calculadora eletrônica com soroban para cativar um mercado ainda fiel ao ábaco: o “sorocal” Sharp ELSI MATE. Fabricado na Coreia do Sul, tratava-se uma calculadora de bolso (alimentada por pilhas pequenas ou baterias – o último modelo, EL-429, funcionava com energia solar) com mostrador de cristal líquido e um soroban à direita do teclado.




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