Kannon
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Kannon, a deusa da Misericórdia
Há muitos e muitos anos, havia uma mocinha meiga e delicada em uma pequena aldeia japonesa. Com a morte de seus pais, ela vivia sozinha e contava com a ajuda dos aldeões para sobreviver. Porém, sentia-se muito sozinha e, em suas orações, vivia perguntando à deusa Kannon se um dia ela voltaria a ter uma família.
Um dia, ao sair de casa, encontrou um monge budista muito pálido, caído do outro lado da rua, em frente à sua casa.
– Monge, o que o senhor tem? – perguntou a menina, colocando a mão na testa do rapaz.
– Nossa, tem febre alta! – disse para si mesma.
Com muito esforço, a mocinha arrastou o monge para dentro de sua casa. Em seguida, acomodou-o em um dos quartos e resolveu fazer um mingau de arroz para o religioso, que estava muito debilitado. Mas, na cozinha, viu que o cereal tinha acabado. Foi, então, à casa vizinha para conseguir um pouco de arroz.
– Desculpe-me, vizinha, a senhora pode me dar um pouco de arroz?
– Claro, mas quero que me ajude quando eu for plantar as mudas de arroz.
– Sim, pode contar com minha ajuda.
A garota foi à outra casa na vizinhança e pediu:
– O senhor teria algum remédio para febre? Será que poderia me dar um pouco?
– Sim, naturalmente, mas, por favor, no dia do plantio das mudas de arroz, quero que me ajude.
– Está bem, agradeço pelo remédio.
Assim, visitou várias casas para conseguir missô (pasta de soja para fazer sopa), tofu (queijo de soja), peixe, vegetais, leite e assim por diante.
Dessa forma, visitou 20 casas, nos três dias em que o monge ficou acamado. Em todas elas, os aldeões pediram à menina que os ajudasse no dia de plantação de mudas de arroz.
Quando o monge já havia recuperado a saúde e partiu para continuar sua peregrinação, deu a menina uma estatueta.
– Obrigado por seus cuidados amáveis. Agora estou muito bem e vou lhe dar esta deusa Kannon (deusa da Misericórdia) como símbolo da minha gratidão.
Uma semana depois, um vizinho avisou a garota:
– Amanhã é o dia em que minha família vai plantar mudas de arroz. Vamos esperar sua ajuda. Assim, um após outro, os lavradores vieram trazendo o mesmo recado. No total, 20 vizinhos disseram a mesma coisa: “Amanhã conto com sua ajuda”.
– Oh, que devo fazer? Eu não posso ajudar os 20 vizinhos a plantar mudas ao mesmo tempo. Deusa Kannon, ajude-me, por favor. O que devo fazer, afinal? Assim, rezou com grande fervor diante da pequena estátua de Kannon.
Enquanto isso, o monge também rezava por ela no alto de uma montanha. De repente, um clarão surgiu no ar e uma bela figura da deusa Kannon apareceu.
– Ouça-me, monge. Neste momento, a menina que lhe ajudou está com sérios problemas. É a sua vez de ajudá-la. Leve consigo 19 garotas para a aldeia dos plantadores de arroz – dizendo isso, a deusa da Misericórdia desapareceu.
O monge visitou várias casas da cidade vizinha, perguntando em cada uma se não tinha alguma jovem que pudesse ajudar na plantação das mudas de arroz. Assim, conseguiu várias mocinhas dispostas a ajudar na plantação.
Na véspera do dia de plantar arroz, a menina ajoelhou-se diante da estatueta de Kannon e rezou:
– Eu não posso ajudar todos ao mesmo tempo. Então, terei que optar por ajudar um dos vizinhos. Se eu trabalhar duramente, é certo que a deusa Kannon vai me ajudar.
Nessa noite, choveu bastante, e amanheceu chovendo no dia seguinte. A menina levantou cedo e bem disposta. Apanhou um chapéu de mino (palha) e um mino-kasa (capa de palha de arroz) e saiu em direção à horta, que ficava no final da aldeia.
Para ela, toda a vizinhança era muito boa, porém, foi trabalhar na última horta da aldeia, porque ali havia um rapaz de quem ela gostava muito. Enquanto isso, o monge e as 19 garotas, igualmente vestidas com chapéu e capa de palha, chegaram à aldeia e se dirigiram cada uma para uma horta. Assim, todas ajudaram na plantação de mudas de arroz, que no Japão é quase um ritual.
No final do dia, com a missão cumprida, cada aldeão agradeceu a respectiva menina pela ajuda. O monge havia ficado na casa da menina, rezando para a estatueta da deusa Kannon.
Quando a noite vinha chegando, a menina voltou para casa, e as 19 meninas e o monge retornaram à aldeia vizinha.
Na manhã seguinte, conforme costume local, os 20 aldeões vieram agradecer, trazendo um presente como símbolo de gratidão.
– Muito obrigado pela ajuda de ontem! – disseram todos eles.
Ela não entendeu direito o que tinha acontecido, porém, vendo que a estatueta da deusa Kannon estava molhada, agradeceu a ela, dizendo:
– Muito obrigada, deusa Kannon, não sei exatamente como, mas tenho a impressão que você plantou as mudas de arroz no meu lugar. Ajoelhada em frente à estátua, a menina agradeceu profundamente.
Nesse momento, apareceu por lá o rapaz que tinha a última horta da aldeia.
– Vim agradecer pela ajuda de ontem e dizer que tenho mais um pedido a lhe fazer.
– Sim, pode dizer...
– Quero pedir que se case comigo.
A garota olhou para a deusa Kannon, e ela estava sorrindo.
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